Pesquisar este blog

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Georgia Institute of Technology: 23 de Junho de 1986.

Para Maria Fernanda, João Paulo, Pedro Henrique e Maria Rafaela.

Obs. clique  uma  vez na foto que ela aumenta.

No primeiro semestre de 1986, eu trabalhava como engenheiro na Gradiente. Um dia o meu chefe, querido e saudoso amigo Aldenir Alencar, perguntou a todos: “Quem sabe inglês para ir buscar um protótipo no Japão?” Eu sei um pouquinho, respondi. “Um pouquinho não serve.” Disse Aldenir, me descartando.
Fiquei com aquilo na cabeça. Já havia estudado inglês nos ensinos fundamental e médio; e mal sabia falar o verbo to be. Além do que já tinha acabado de fazer 27 anos. E papagaio velho não aprende a falar.
Georgia Tech - Março de 2014
Logo depois dessa conversa virei sub-chefe do nosso setor da engenharia de produção do bloco C. Entre eu e o Aldenir, gerente da engenharia industrial, tinha outro chefe, Altomides, o velho, como era chamado.
A minha promoção não agradou ao Mário, nosso desenhista industrial. Um sujeito bastante alto e magro, que faturava uns extras como cantor da noite.
Ele passou a cantarolar músicas me provocando. Do tipo: “ Mal chegou já virou chefe, só porque é amigo do chefe.” Isso durou um mês, até nos embolarmos dentro da fábrica e sermos mandados para rua. Não sabia, mas era o que estava precisando.
Por orientação do Vicente, meu irmão, fui ao ICBEU, conhecida escola de inglês de Manaus, em busca de panfletos de cursos de inglês nos States. Mostrei-lhe vários cursos. Ele disse: “Essa aqui é muito boa. E o preço está bom.” Era o Georgia Institute of Technology, em Atlanta, Estado da Georgia. E o custo-benefício também era bom quando comparado com outras escolas: 25 horas-aulas por semana, 5 horas  por dia.
Fiz as contas. Vi quanto tinha na poupança e quanto estava o valor da moeda americana, e pensei: acho que vai dar. A taxa de câmbio era 14 cruzeiros por dólar. Nesse mesmo ano, o Plano Funaro, que congelou o preços dos bens, mudou o nome de nossa moeda para Cruzado.
Partir com três mil dólares, para morar, comer e estudar por doze semanas. Hoje não seria nem dez mil reais. Lembro-me da minha cunhada Nega, Ozeneide Casanova, dizendo: “Esse ainda vai voltar com uns mil e quinhentos.” A verdade é que o dinheiro ficou curto, mas arranjei um bico que ajudou bastante.

O Visto
Naquela época, muito longe de 11 de setembro de 2001, o visto americano era tirado em Manaus mesmo. A documentação era entregue no Consulado americano, cujo cônsul era Jaime ou James Fish, um americano, casado com brasileira, e que já estava por essas bandas há muito tempo.
Mandei toda a documentação exigida, mas o visto foi negado. Foi um choque. Naquela época vinha uma carta dizendo o motivo da negação. O meu era porque “não apresentou motivos suficientes de que deseja voltar para o Brasil quando acabar o curso”,Vinha assinado - lembro-me bem do primeiro nome - por Eugênia.
O Visto. Nem um dia a mais
Se inscrever em um curso de inglês - para quem desejava ficar lá em definitivo - era o golpe mais velho que existia para tirar visto americano. Eu me enquadrava no perfil; jovem e solteiro. E de quebra bonito. Tá rindo de quê ?
James Fish era amigo de longa data da família, desde quando era padre redentorista. Fui lá com ele. E lhe pedi uma coisa inacreditável. Pedi para ele ligar para a dona Eugênia. Ele me pediu que colocasse todos os dólares que possuía na sua frente. Ele ligou para ela, falou umas coisas e passou a ligação pra mim. Eu disse a ela: eu sou engenheiro elétrico, tenho emprego fixo (nem tinha mais), não tenho intenção nenhum de lavar pratos nos Estados Unidos, preciso aprender inglês para crescer profissionalmente, blá, blá... Ela me mandou requerer o visto novamente. Foi concedido tão somente para as doze semanas do curso, nem um único dia a mais. O curso terminava dia 5 de setembro, e o visto também.
Volto a citar James Fish novamente, no post “Saindo do Caritó” que republico todos os anos no facebook no dia 26 de junho, aniversário do meu casamento. Onde conto como conheci a minha esposa. Mr. James Fish um dia me disse que “estava no caritó” (encalhado), insinuando que não casaria mais. Mas isso é outra história.                            

A Partida e a Chegada.
Dia 15 de junho sai de Manaus, pelo Lloyd Aero Boliviano, via Caracas, chegando em Miami, quando o sol tinha acabado de nascer, no dia 16. Estava preocupado como eu iria assistir, naquele dia o jogo entre Brasil e Polônia, pelas oitavas-de-final, na Copa do Mundo no México.
Desci em Miami, e na saída do aeroporto me dei conta que eu não havia me informado sobre o que fazer ao chegar lá. Como chegar em Atlanta. E agora José ?
Mas como Deus é grande, soprou no ouvido do Thomaz, outro irmão, a seguinte frase, que ao nos despedirmos no aeroporto me disse: “Quando chegares ao aeroporto pede ao taxista que te leve para a Greyhound Station.” Estação de onde partiam os ônibus interrurbanos para diversas cidades americanas. Dito e feito.
No guichê de passagens, um sujeito falando espanhol, me informou que o próximo ônibus para Atlanta partiria às 17 horas. Restando-me umas 10 horas para turistar em Miami. No que fiz zanzando por downtown. Lá vi uma coisa interessante. Mas não compreendi bem a situação porque não entendia nada do que falavam em inglês. Vi uma pessoa americana, conhecida nossa, que morou muitos anos na Amazônia, e especialmente em Manaus, vendendo alguma coisa ao público. Falava muito. Fiquei com vontade de me aproximar e me identificar, mas não tive coragem.
Foram 17 horas de viagem até Atlanta. Cansado, dormi muito. Acabei com a polícia dentro do ônibus pedindo os passaportes de todos. Depois acordei de novo. Estavam todos rindo. Um rapaz me acordou e me disse em espanhol que estava roncando muito
Cheguei a Atlanta às 10 da manhã. Fiquei decepcionado como tamanho da “rodoviária”, muito pequena quando comparadas com algumas nas grandes cidades do Brasil.
De novo o frio na espinha. Aquele calafrio que senti ao desembarcar em Miami se repetiu. E agora o que é eu faço? Por que não planejei isso no Brasil ? Como no aeroporto, ia para fora e voltava para dentro da estação, pensando no que iria fazer. Fiz isso várias vezes.
Depois de me acalmar e pedir ajuda a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, peguei um taxi, e  escrevi  num pedaço de papel, a seguinte frase: hotel near Georgia Tech. E mostrei ao taxista. Ele me levou para um hotel na frente da GA Tech, na North Ave. Na front desk uma moça perguntou ao motorista (não sei com entendi) se eu tinha reserva. Não. Respondeu. “Só com reserva.” Respondeu ela. Outro calafrio.
O motorista me levou para um Days Inn, na Peachtree Street na frente do cinema  Loew’s Grand Theatre, onde foi feita a première do filme  E o Vento Levou, em 15 de dezembro de 1939. Na realidade, ele foi demolido em 1978 devido a um grande incêndio, há outro prédio no local, mas era o que nos ensinavam: “Ai nesse local foi a première de E o Ventou Levou.” 
Para quem não se lembra, Margaret Mitchell, autora do livro era de Atlanta; e a história se passa lá.  Lembram-se do incêndio de Atlanta, no filme?
Mal me instalei no hotel, desci os poucos quarteirões que nos separavam da Georgia Tech. Dirigi-me a recepção do Intensive English Program do Language Institute, no Swann Building, localizado na 613 Cherry St. NW, esquina com a North Ave.
Eu havia pago 375 dólares para ficar as 12 semanas num dormitório da universidade. Queria sair o mais breve do hotel.
Na recepção encontrei uma moça bonita, por volta dos seus 25 anos, Gretchen. Era casada com um dos professores do curso, Kurt Belgum. Perguntei a ela se falava espanhol, e disse-lhe que era do Brasil. Nesse instante saiu de dentro de uma sala um alemão falando portunhol: “ Tudo bem ? Eu falo espanhol.” Era o Dr. Louis Zhan, diretor do Instituto.
Depois de uma breve conversa, na qual me acalmou, disse-me  para não me preocupar que eu iria aprender inglês. E me informou que o dormitório somente estaria disponível no sábado, dia 21. Estávamos na segunda-feira, dia 16. As aulas começariam uma semana depois, dia 23 de junho.

Gretchen e Rosângela
Isso me deixou muito preocupado, pois não pretendia pagar uma semana de hotel. Expressei essa preocupação ao Dr. Zhan, que me disse que haviam passado vários brasileiros pelo Instituto, e iria entrar em contato com alguns deles. Ligou para Mauro Conti Pereira, ex-aluno de inglês e estudante de mestrado de engenharia elétrica. Falamos ao telefone, e ele me deu o telefone de dois brasileiros que moravam na mesma casa, Jerônimo dos Santos Travelho, pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais), estudante de doutorado em engenharia aeroespacial, e Ronaldo Lemos Dávila, de Niterói, doutorando em engenharia nuclear.

Eles me convidaram a ficar na casa deles, que era repartida com mais dois estudantes americanos, até a minha ida para o dormitório da universidade. Eles moravam na 10th St. NW, perto do campu. Mas atrás dele, um pouco afastado de onde eu estava.  
No dia 17 fiz o check out no hotel, e peguei um taxi para a casa do Jeff, como era chamado, e do Ronaldo. Mas antes liguei para o Brasil; queria informar que cheguei bem e queria saber se o Brasil ainda estava na Copa. Estava. Ganhamos de 4 a 0 da Polônia, como gols de Sócrates, Josimar, Edinho e Careca. Dia 21, sábado, seria contra a França.
Jeff, Ronaldo e Mauro, que morava num apartamento dentro do campus, se tornaram grandes amigos meus; e me ajudaram bastante. Mas o Mauro, pela proximidade da idade, dois anos mais novo, se tornou mais íntimo. E graças ao fato de possuir um carro (um Toyota Tercel) foi possível conhecer e ir a vários lugares. Lembro-me que ele fez amizade com três brasileiras de Recife. Com elas fomos ao cinema e jogamos peladas de vôlei.
Um belo dia disse para o Mauro que numa festa de brasileiros um sujeito estava falando do ‘filho da Coca Cola’, mas não entendi nada. Ele ficou calado. Só bem mais tarde vim, a saber, que o sujeito estava falando do Mauro, que era filho de um executivo da Coca Cola em uma capital no Brasil. Com o tempo percebi certa inveja que alguns tinham dele. Da situação social e porque falava inglês muito bem. Mas ele se virava. Chegou a trabalhar no cinema da universidade para fazer uns extras. Hoje, o Dr. Mauro Conti Pereira é um respeitado professor universitário, e está em Michigan fazendo pós-doutorado. 
Em 1986 a Aids era uma grande incógnita e metia muito medo. Lembro-me bem do radialista Joaquim Marinho dizendo no seu programa de rádio: “Ninguém sabe exatamente como ela é transmitida. Muita gente tem medo de vaso sanitário público, de espiros , de todo tipo de contato...”

Um dia o Mauro e eu fomos a um night club. Andarmos uns metros no salão e subimos para o andar superior; então vimos dois caras se beijando. Eu me lembrei do que ouvi no rádio. O Mauro disse, parecendo que leu o meu pensamento: “Não toca em nada. Não toca no corrimão. Vamos sair daqui, nós vamos pegar Aids.”
Lembro-me também de outra boate onde andávamos sobre vidros. O chão era de vidro, e debaixo dos nossos pés andavam onças e outros felinos. Mas nessa eu fui com outros brasileiros.
Mauro, Jeff, Cláudio, Cris 
E assim fiquei a primeira semana na casa dos brasileiros, Jefferson e Ronaldo. No sábado, 21, seria o jogo Brasil x França pela quartas-de-final. Veio para assistir conosco uma brasileira, cujo marido era o diretor da Aliança Francesa de Atlanta, e trouxe junto uns cinco franceses. Eles e nós assistimos juntos em um canal espanhol. O narrador torcia descaradamente pelo Brasil. “Peligro ! Peligro ! Peligro!”  gritava desesperado quando a França atacava.  E adorava  chamar o Sócrates de doutor. “Doutor Sócrates ! Doutor Sócrates !” Gritava.
Zico perdeu um pênalti dentro do jogo. O final, no tempo regulamentar, foi 1 a 1; com gols de Careca e Platini. Na decisão em pênaltis, Sócrates e Júlio César perderam os gols pelo Brasil, e Platini pela França. Resultado: a França se classificou ganhando de 4 a 3, e o Brasil voltou para casa. A Argentina foi a campeã.
Depois do jogo, uns tristes e outros felizes, fomos todos jogar futebol numa quadra de basquete sem traves. Mas o Mauro tinha feito traves de canos de PVC, que eram montadas, desmontadas e levadas pra casa em cada jogo. Depois do jogo me instalei num dormitório de estudantes, onde ficaria pelas próximas doze semanas. 
Meu dormitório masculino era o Harris Hall, localizado no número 633 da Techwood Drive NW, do lado do estádio de futebol, Bobby Dodd Stadium, a sede dos Yellow Jackets, o time de futebol americano da Georgia Tech. Ele tem a capacidade de 55 mil pessoas. Mas em 1973, num jogo contra o arquirrival Panthers da Georgia State University, o público registrado foi de 60.316 espectadores. Deve ter tido gente que sentou no colo de alguém.
Não temos no Brasil nada parecido com o futebol universitário americano. Ele rende milhões de dólares; é disputadíssimo em estádios enormes. Dele saíram vários jogadores para o futebol profissional. O mesmo acontece com o basquete universitário. Ambos são como a segunda divisão do profissional. Adorava assistir partidas de basquete do Yellow Jackets no Alexander Memorial Coliseum, o ginásio de esportes da Geogia Tech. Nele foram realizadas as lutas de boxe das Olímpiadas de 1996, em Atlanta.A mascote dos Yellow Jackets é uma abelha. Isso me lembrava o símbolo do nosso então prefeito, que como dizia o povo, quando não estava viajando, estava fazendo cera.

The Varsity
No deslocamento do hotel para a Georgia Tech, logo nas primeiras horas da minha chegada em Atlanta, descobri o Varsity, uma lanchonete.
Peraí. Agora eu falei besteira. O Varsity não é uma lanchonete. É a lanchonete. The Varsity, como é
Obama no Varsity em junho de 2012
anunciado no local e na sua homepage é o “maior restaurante [ lanchonete] drive-in do mundo.” Drive-in nos lembra assistir filme dentro do carro. Estamos mais acostumados com drive-thu. É a mesma coisa: você fica dentro do carro, e alguém lhe atende. Mas o Varsity também serve dentro dos seus salões.
O que tem de especial nele é a sua história. Presidente americano e artistas famosos não vão a Atlanta sem comer um cachorro quente no Varsity. As fotos nas paredes não me deixam mentir. São 75 anos de história. Clark Gable, após a première de E o Vento Levou, foi fazer uma boquinha lá. Em 1982 foi a vez do presidente Jimmy Carter comer um cachorro quente. E George Bush pai esteve no local em 1990. Bill Clinton, em 1994, e o Obama em junho de 2012. Cláudio Nogueira esteve lá várias vezes em 1986, e com a esposa e filhos, em março de 2014. E com a minha sogra preferida, em maio do mesmo ano. Mas isso se esqueceram de registrar na parede.
No site deles tem a seguinte pergunta: O que faz o Varsity ser tão especial? Resposta: “Localizado no centro de Atlanta com mais dois acres [mais de 8 mil metros quadrados], podendo acomodar 600 carros e mais de 800 pessoas no seu interior. Nos dias em que os Y
Nós no Varsity - Março de 2014
ellow Jackets da Georgia Tech estão jogando em casa, mais de 30.000 pessoas visitam o Varsity.”  O Estádio da Georgia Tech fica a menos de 700 metros dali
.
Continuando a resposta: “Duas milhas [3,6 km] de cachorros-quentes, uma tonelada de cebolas, 2500 libras [mais de uma tonelada] de batatas, 5000 tortas e 300 galões [1.135 litros] de chilli [molho apimentado] são feitos  diariamente.”

Mas a minha estreia no local não foi muito boa. Depois de tentativas orais sem sucesso, tive de partir para os gestos, apontando com o dedo para fazer o meu pedido. Aí veio a decepção. Recebi um pão cortado longitudinalmente com uma salsicha no meio. Só isso ? Comparado como Kikão da praça de São Sebastião, em Manaus, aquilo era um desastre. No Kikão vinha sobre a salsicha, o molho, a maionese e a batata palha.
Recebi o meu hot dog decepcionado. Olhei em volta e vi que era eu quem colocava o molho, a mostarda, etc. na quantidade que desejasse.

O Início

Identidade de Estudante
Finalmente chegou o dia tão esperado: 23 de junho de 1986. O primeiro dia do resto da minha vida. Estudar inglês deu outro rumo na minha vida. Levou-me a fazer coisas que jamais pensei que um dia fosse fazer; levou-me a lugares que jamais pensei que um dia fosse ir. Foi o melhor investimento que fiz, e o que me deu o maior retorno. 
Todos numa sala grande; uma senhora assanhada e com cara de mandona ou de chefe dando as informações e instruções. Entendi muito pouco. Na realidade só entendi duas coisas: todos tinham de comprar o seguro de saúde que a universidade dispunha e havia uma taxa para utilização do ginásio e de toda estrutura esportiva oferecida.

Primeiro dia. Muito medo. Será que vou um dia aprender inglês? Quando estava no processo de inscrição, uma cunhada, que havia morando um tempo nos Estados Unidos, ligou para a GA Tech ao meu pedido. Quando a ouvi falando, quase desisti. Eu pensei: nunca vou falar assim.
Como já disse, eram 25 horas-aulas por semana; cinco por dia. Um pedaço de manhã, o restante à tarde. Intervalo de uma hora, entre 12 e 13 horas. Era o tempo mais do que suficiente para, literalmente, correr ladeira abaixo até o dormitório; eu e um costa riquenho, Alejandro. E depois correr ladeira acima para novas aulas.
Eu corria para a cozinha coletiva do meu andar para preparar macaroni & cheese, queijo com macarrão. O queijo vem em pó. E ambos vêm em uma caixinha. Eu até hoje gosto muito. Era o que o dinheiro dava. Era e continua sendo muito barato. É muito consumido pelo povo de baixa e baixíssima renda nos States. Era só ferver a água; amolecer o macarrão e misturar o queijo. Fazia isso todos os dias.
Eu havia alugado uma geladeira pequena, tipo frigobar. Todo aluno no dormitório faz isso. Nela guardava outras coisas que reforçavam a dieta.
O dormitório tinha banheiro coletivo, com cabines individuais; e uma cozinha coletiva com tudo que se precisava. No banheiro me chamou atenção que cada homem tinha o seu secador de cabelo. Era comum ver cinco seis machos na frente dos espelhos secando os cabelos.
A Georgia Tech funcionava em “quarters”, ou seja, o ano escolar era dividido em quatro períodos. Em setembro, quando saí do dormitório porque o “quarter” do verão havia acabado, eu ganhei uma graninha retirando essas geladeiras dos quartos. O dono delas vinha com caminhões baús e nós íamos

Cozinhando
buscá-las dentro dos dormitórios. Vi um aviso pedindo auxiliares e participei do serviço fazendo com que entrasse alguma coisa no caixa já debilitado.
Aqui vi outra coisa interessante. No final do serviço se formou uma fila de ajudantes para receber o pagamento, que era feito com cheques. A pessoa que nos pagava, quase cem por cento das vezes, perguntava: “Como é que se escreve o seu sobrenome ?” Que após a resposta, perguntava: “Como se soletra ?”
Embora, oficialmente, no meu passaporte só constasse U$970 - pois quando comprávamos dólares no banco, era registrado no passaporte - levei três mil dólares. Para saber quanto isso representa hoje, seria necessário multiplicá-lo pela inflação americana nos últimos 30 anos. Era pouco, posso afirmar. Após pagar a tuition (valor do curso), o seguro obrigatório, a taxa esportiva e o dormitório, sobrou um pouco mais de mil dólares. O curso era de 10 semanas, acabaria em setembro, pois tinha duas semanas de férias no meio, mas tencionava ficar até março.

Fazendo Mudanças  e Making Money
A salvação da lavoura foi conhecer, numa festa de brasileiro, o Mauro mineiro. Outro Mauro, esse era de Minas, filho de um engenheiro de classe média alta.
Esse Mauro também falava muito bem inglês, pois havia estudado high school nos States. Era uma cara com uns 35 anos, bem parecido, morava só numa casa muito boa, tinha um bom carro e uma moto. Já estava há algum tempo nos Estados Unidos. Estava preparando uma surpresa para o seu pai. Queria finalmente dá-lhe essa alegria. Fazia curso de piloto de helicóptero. E para pagar o curso trabalhava como garçon, ajudante de pedreiro e fazia mudanças.
Quando conheci o Mauro mineiro, ele estava trabalhando como motorista do caminhão baú de um amigo brasileiro, Mário, que estava de férias em Minas. Perguntei-lhe se não havia trabalho pra mim. Assim virei ajudante de mudanças. Os valores eram os seguintes: 45 dólares por hora para ele (que pagavam o serviço dele e o caminhão), e 8 dólares por hora pra mim. Isso foi um reforço e tanto no caixa. Só para se ter uma ideia, o salário mínimo por hora hoje é de 15 dólares.

Lembro-me que desta forma conheci e fiquei encantado com as casas americanas. Eram casas no subúrbio. Com a gasolina muito barata, o americano não se importava de morar longe. Era um serviço muito cansativo. No intervalo do almoço íamos para um rodízio e comíamos como dois estivadores. O Mauro de vez em quando fumava maconha no deslocamento da mudança. Ele me ofereceu umas vezes, mas nunca aceitei. Disse-lhe que se soubesse que iria fazer serviço pesado, teria trazido guaraná em pó. Voltando de uma viagem de NY, ele me disse: “Taqui o teu energético.” Era pó de guaraná.

Nilce, eu  e Marlene
Um dia voltando de um bar fomos parados pela polícia; era ele quem estava dirigindo, foi preso. O negócio foi o seguinte: fomos para um bar; eu, Mauro, Rosângela (foto acima) e Nilce Mendonça. Ele bebeu, e trouxe do bar duas taças e duas cervejas, e os deixou atrás no carro. Em Atlanta havia uma associação de mães que perderam filhos em acidentes de automóveis por causa de motoristas irresponsáveis. Era uma associação muito respeitada e influente. A polícia pegava pesado com quem fosse pego dirigindo bêbado. Mas a polícia não para ninguém. Não tem esse negócio de blitz como tem no Brasil. Só que a polícia andando logo atrás viu as bebidas e as taças no nosso carro. O Mauro e a Rosângela vinham na frente, eu e a Nilce Mendonça atrás. Mandaram o Mauro dar uma baforada no bafômetro, e já foram logo levando-o para a gaiola dentro do carro da polícia. Mandaram a Rosângela assoprar, como o nível de álcool dela era pouco, nos deixaram ir.

Ficamos muitos preocupados, e ligamos para outros brasileiros. Que nos tranquilizaram dizendo: “Isso não é a primeira vez. Ele vai pagar a fiança e vai sair. Depois vai para frente de um juiz.” Dito e feito. Pagou 200 dólares e saiu.
Graças a essa grana vinda do trabalho como ajudante de mudanças que pude continuar estudando quando as 12 semanas que estavam pagas acabaram.
Só vi problemas nas mudanças duas vezes. Uma vez uma mulher reclamou que estávamos muito lentos. A outra foi pior. O Mauro jogou para mim um prato, e eu deixei cair no chão e o prato se quebrou. A minha sorte foi que o dono da casa viu e pôs a culpa nele. Chamou o Mauro e lhe disse: “Você vai me indenizar. Vou ver se consigo outro prato igual a esse. Esse prato é comemorativo da inauguração do Disney Word na Flórida, em 1971.”
Quando Mário, o dono do caminhão baú, voltou das férias,  às vezes trabalhávamos juntos.
Mas deixa eu dar uma explicação aqui. Entrou na história Nilce Mendonça, como Pilatos entrou no Credo. A Nilce era, e continua sendo, uma amiga de longa data de Manaus. Ela havia ido passar férias em Norfolk, na Virginia, na casa de uma conterrânea dela de Manacapuru, que era casada com um marinheiro. Ela entrou em contato comigo e me perguntou se não dava para ela estudar inglês na Georgia Tech. Deu. A Rosângela era uma brasileira de São Paulo, que também estudava inglês, e onde consegui alojar a Nilce. Depois que acabaram as 12 semanas na GA Tech, a Nilce estudou
Encontro de brasileiros
comigo na escola de línguas ESL de Atlanta.
Dela ouvi uma história muito engraçada que aconteceu em Norfolk. Vamos ver quem leu até aqui. Se me perguntar eu conto. 
Mauro, o estudante de engenharia, descobriu outro brasileiro na GA Tech, Cris, filho de seu Valdemar e dona Úrsula. Seu Valdemar era mecânico e trabalhava no aeroporto de Congonhas, dona Úrsula também trabalhava no aeroporto. Ela era alemã, mas só falava com o marido e os filhos em português, Quando conheci o Cris, o português dele estava bastante esquecido. Uma vez esse me disse, em determinada situação: “Se nós era ...”. Era um cara muito fino. Imigraram para NY, e depois se estabeleceram em Atlanta. Em 1987, quando estudava estudando em Baton Rouge, na Louisiana, fui a Atlanta e fiquei na casa dele.
Então, a turma foi ficando grande, juntos e misturados. Os Mauros, Cris, Nilce, Rosângela, Cecília, Jefferson, Ronaldo, Alexandre e vários outros brasileiros. Depois se juntou ao grupo um americano, Jeff, um rapaz novo, que era professor auxiliar no ESL de Atlanta.
Uma vez fui uma festa numa casa que tinha brasileiros, outros latinos e americanos. Tinha um cara que acho que estava nos testando. Ele sabia o nome de todos os grupos clandestinos de esquerda da América Latina. Falava dos brasileiros, do Tupamaro, e vários outros.

The Book is on the Table
Certficado de  conclusão
Estudar inglês era o maior barato. Passado o medo inicial, eu gostei demais. O meu teste na chegada me mandou para o nível 2, num total de 6 níveis. O nível 1 era para quem não sabia nada, ou o alfabeto materno não era o romano. Quando acabei as 12 semanas fui promovido para o quarto nível. Mas como a grana era curta e haveria umas pequenas férias, fui estudar na escola de línguas  ESL.
As classes eram de gramática (grammar), leitura e compreensão (reading comprehension), inglês falado (spoken English) e audição  (listening), ou seja, ouvir e entender. Essa última era no laboratório. Lembro-me bem de ouvirmos a música “Hello” de Lionel Richie. Ouvíamos a música, e tínhamos a letra na nossa frente faltando palavras, deveríamos preencher as lacunas em branco. “Hello” estava nas paradas junto com “Papa don’t Preach”, a história da menina que engravidou, de Madonna. Eu ouvi essa música mais de vinte vezes para entender a letra.
Livro texto

Minha professora de grammar e listening era Mrs. Linda Grant, de reading comprehension era Dr. Linda Arthur, que todos chamavam de doctor Arthur.  Ela no primeiro dia foi logo avisando: “Vocês podem perguntar qualquer coisa menos a minha idade.” Era muito amiga da Rosângela, que a levou para comer uma feijoada, e nos disse que teve uma flatulência braba. A professora de spoken English, era Ms. Jane Boss, que nos ensinava o inglês correto, depois dizia como o americano falava. Tipo assim: ‘vambora’, ou invés de ‘vamos embora.’ Com ela aprendíamos a reduzir o sotaque. Lembro-me de uma situação engraçada. Ela me perguntou quantas “children” (crianças) meus pais tinham. Eu respondi: não tem mais crianças na minha família, tinha adolescentes, mas não crianças. Depois de muita confusão e ela se esforçando pra se fazer entender, compreendi que “children” originalmente significa crianças, mas também pode significar filhos.
Mas as minhas aulas preferidas eram com Mrs. Grant. Gostava do método usado; o qual acho de uma eficácia extraordinária. O livro texto ajudava muito (tenho todos até hoje). Mas também ela trazia também textos avulsos. O método é muito simples. Ele é constituído de frases: eu sou brasileiro, eu sou gordo, eu sou magro, eu sou .... Assim, não só aprendíamos o verbo to be como saímos da aula com um vocabulário novo de 50 palavras. Depois mudava o verbo. Eu posso nadar, eu posso cozinhar, eu posso falar inglês, etc.
Em 2007 quando fomos morar no Canadá, usei esse método como os meus filhos, que iam para a escola, mas aprenderam a ler comigo. Escrevi mais de 500 frases e preguei-as nas paredes. Todos os dias eles liam elas feito mantras.


Fabiana e Linda
Eu e Mrs. Grant nos tornamos amigos. Voltei para o Brasil dia 5 de dezembro de 1986. Em novembro de 1987 fui a Atlanta e a visitei na GA Tech. Depois perdi o contato. Em 1995, quando morava em Miami lhe mandei uma carta que ela respondeu. Depois pedir o contato novamente. Em março de 2014, depois de 27 anos que a tinha visto pela última vez, eu e a minha família visitamos ela em sua casa em Atlanta. Foi uma tarde, comendo cookies e relembrando a sala de aula 27 anos atrás. Nesse dia a senhora Grant me pediu para chamá-la de Linda somente. Para minha surpresa ela nos disse que em 2013 tinha estado em Manaus.
Ela se tornou uma escritora bem sucedida de livros didáticos para o ensino da língua inglesa. Seus livros são vendidos no amazon.com e adotados por várias escolas, por isso viaja muito. Ano passado esteve em três países da Europa dando palestras e falando dos seus livros, cuja coleção se chama “Well Said.”

Seu ou Dele ?
Lembro com clareza de muitas aulas, mas tem duas que me lembro sempre, ambas na aula de gramática com Linda. Eu disse-lhe, e todos ouviram, que estava contente porque uma namorada de Manaus, possivelmente, viria me visitar. Era o que tinha dito em uma carta. Ai ela me perguntou: “O que você vai fazer com ela?” Prontamente procurei a palavra namorar no dicionário. Provavelmente deveria ter mais de uma tradução, mas respondi em voz alta a primeira que vi: to make love ou fazer amor. Linda corou e mudou de assunto.
Eu me relembro da outra situação todas às vezes que ouça uma frase assim: “Roberto Carlos e sua banda”, “Fulano e seus amigos.” Em inglês não se fala assim. A frase em inglês é: “Roberto Carlos e a banda dele.” Mrs. Grant me fez uma pergunta, e para exemplificar a situação, é como seu eu tivesse lhe respondido: a Madona e sua (your) banda. Ela disse: “A minha banda?” Aí não entendi nada. Depois da explicação dela foi que entendi que teria de dizer: a Madonna e a banda dela (her). Isso vem na minha cabeça todas às vezes que ouço frases em português usando as palavras seu, sua, no sentido de dele, dela.
Ao estudar o inglês percebi algumas coisas engraçadas no português. Nós dizemos ‘o pneu furou’, ‘cortei o meu cabelo’.  O pneu nesse caso é o autor da ação. Quem foi que ele furou?  Ele furou o asfalto? Nada disso. O pneu sofre a ação. O pneu foi furado, seria o correto. ‘Cortei o meu cabelo’. Você mesmo cortou o seu cabelo ou alguém o cortou pra você? O correto seria dizer: cortaram o meu cabelo ou tive meu cabelo cortado.
Também há expressões em inglês que soam engraçado para nós. Por exemplo: I am cooking myself. A ideia é ‘ eu cozinho’ ou ‘eu sei cozinhar’, mas a tradução ao pé da letra parece dizer: ‘eu estou me cozinhando.” Nesse caso, os próprios americanos divergem sobre se isso está correto. Um amigo me disse que por questão de clareza seria mais correto dizer:  ‘I am doing the cooking myself.’ A ideia de que você mesmo cozinha fica mais clara. Mais um exemplo. Uma pessoa casada pode dizer: I am married with a kid. A tradução ao pé da letra em português é: eu sou casada com uma criança. É claro que o sentido é: eu sou casada e tenho uma criança. 
Segundo dicionário Merriam Webster  “to fix” é “to repair (something)”. Ou seja consertar alguma coisa. Tem outras definições, mas nenhuma delas significa cozinhar; no entanto, é dito em inglês: “I fix lunch every day”, ou eu cozinho almoço todos os dias.

Aprendendo Inglês com os Irmãos
Havia 45 dias que as aulas tinham começado. Andando pelo campus vi uma faixa que dizia: “Venha conversar, comer uns salgadinhos e tomar uns refrigerantes conosco.” Era um encontro de evangélicos. Fui. Chegando lá, um gordinho se aproximou, e antes que ele começasse a falar, fui logo dizendo às frases que sabia: eu sou do Brasil, eu não falo inglês, eu sou estudante do inglês intensivo, eu cheguei faz 45 dias. Ele respondeu: “Seja bem vindo. Você está falando em inglês”. Depois me disse que falava espanhol, e que estudou no México. Chamou os outros e me apresentou. Aí eu disse: nice to meet you, e o cara respondeu: “nice to meet YOU.” Aumentando a entonação  ao dizer ‘you’. Aí pensei: por que ele falou assim? Será que assim é o correto? Comentei isso com a Linda, que me explicou, que ele estava querendo dizer que o prazer era dele em me conhecer. É como se fala.
Convidaram-me para um Bible studies, estudos da Bíblia, e para frequentar a igrejas deles, no que aceitei imediatamente.
A igreja deles era o maior barato. Enorme, cheia de loiras bonitas. É aqui que eu fico. Pensei. Lá não tinha essa das evangélicas usarem roupas escondendo os joelhos, sem baton, etc. Me enturmei. Ia lá sempre que podia. Fui na festa de halloween deles. Coisa impensáv
Nós  e  Linda em 2014
el para os evangélicos do Brasil. Porque no Brasil halloween é festa das bruxas.
Fui até um retiro no Alabama com eles, no break de duas semanas que tive. Quatro dias rezando, ouvindo palestras, discutindo em grupos, comendo churrasco (a moda deles) e jogando vólei. Onde eu podia me meter para praticar o inglês, eu me metia.
No domingo, ia à missa dentro do campus. Lá encontrava o Mauro, o mestrando de engenharia, e o Jeff. O campus tinha tudo. Cinco mil pessoas moravam dentro deles. É a cidade universitária. Tinha igreja ou templos de várias denominações. Participei também na igreja Católica, cujo pároco era o padre Mário, da St. Francis Table que distribuía sopa para os podres. 
Eu estudava muito. Estava sempre estudando. Até quando andava. Sempre com o dicionário nas mãos querendo matar a curiosidade do que certas frases significavam. No domingo, depois da missa, eu ia para o Lenox Square, um shopping center. Ia assistir filmes. Eram muitas salas com uma entrada em comum; acabava um filme, eu ia para a outra sala. A desvantagem é que os filmes não mudavam toda semana. E como não entendia muito bem, assisti Top Gun, com Tom Cruise mais de dez vezes.

A vida no campus era muito animada. Lembro-me da festa do homecoming, que acontece no início do ano escolar setembro. Ex-alunos, alguns já bem velhinhos, se juntam aos novos. Homecoming 
Fratenity enfeitada para o homecoming
 seria como que voltando pra casa; para casa que você estudou, estuda, ou vai começar a estudar. É uma festa como muita gente e famílias por todas as partes do campus. As fratenity e as sorority, cujos nomes são três letras gregas, residências-associações de estudantes, onde só entram quem os internos aceitam, fizeram decorações e carros alegóricos.

Mas tinha uma coisa que era demais para a minha cabeça. Via, nos intervalos ou depois das aulas e em outras ocasiões, alunos e alunas brincando de skate e patins. Do lado do meu dormitório tinha uma área que eles, de noite, jogavam vôlei e comiam churrasco. Para mim era um bando de alienados. E me perguntava: eles não discutem política?
Para quem pegou o regime militar na universidade, com greves, passeatas e discussão política a toda hora, aquilo era muito estranho. Mais estranho era o “nacionalismo” das lojas de automóveis cheias de bandeiras dos Estados Unidos. Nesse período, muito diferente de hoje, a bandeira brasileira era usada somente pelos militares. Então na minha cabeça aquelas bandeiras nas lojas de automóveis não faziam sentido.

Tirando o CPF
Meus amigos na sala de aula era Alejandro, da Costa Rica, que morava no mesmo dormitório e Gonzalo, um engenheiro mecânico da Colômbia. Um dia perguntei a ele: quanto tempo vais ficar aqui nos Estados Unidos ? “A vida toda.” Me respondeu.
Fiquei com pena dele quando fomos buscar os nossos cartões com o número do Social Security, uma espécie de CPF, que é necessário para você trabalhar legalmente, e é usado como identificação em várias outras situações O meu, que tenho até hoje, veio sem restrições, o dele veio com uma observação: “não é válido para trabalhar”. Ele queria saber como hav
Georgia Institute of  Technology
ia conseguido o meu sem restrições.
Uma vez fui buscar a minha correspondência nos Correios da universidade – todos tínhamos uma caixa postal – encontrei trabalhando lá uma conhecida, Cecília, uma brasileira de 20 anos, filha de executivo americano de SP, que nasceu na Argentina mas a mãe era paulista, tinha três nacionalidades, fazia engenharia química.Ela me disse que a legislação permitia que ela trabalhasse até 20 horas por semana dentro do campus. Quando fomos levados pelo staff do curso de inglês para o office do Social Security, tive que preencher um formulário. Lá tinha uma pergunta: “Deseja trabalhar nos Estados Unidos?” Respondi que sim. Fui chamado para justificar isso oralmente. Aí disse que pretendia trabalhar dentro do campus. Sem ser minha intenção de ter um Social Security sem restrição, acabei recebendo um, que me foi útil pelas outras vezes que voltei a morar nos Estados Unidos: Miami, Baton Rouge (Louisiana), White Plains (NY – morando lá e estudando em Boston) e Gainesville (FL).

Adeus Georgia Tech
Dia 5 de setembro acabaram as aulas. Tinha de sair do dormitório. Haveria duas semanas de férias para o início do próximo “quarter”. E sob o pretexto de que não queria parar de estudar, avisei para a Mrs. Grant que não voltaria para as próximas doze semanas, apesar de ter sido aprovado para cursar o nível 4. Ela lamentou. Mas na realidade não tinha dinheiro para pagar as doze semanas integralmente. Fui para outra escola onde poderia pagar mês a mês conforme o dinheiro fosse entrando. Além do que tinha medo que a GA Tech pedisse para ver o meu visto, que já estava vencido. Dia 8 de setembro comecei na escola de línguas ESL de Atlanta, para estudar trinta horas por semana.
Certificado do ELS
Comparado com a Georgia Tech, o ESL era bastante bagunçado. Na mesma sala havia alunos  em níveis diferentes. Uma hora o professor dizia: “Isso é para os alunos do nível X, e agora é para os alunos do nível Y”. Havia muitos brasileiros na minha sala. Fiquei lá um mês e saí. O diretor Steve era amigo da Mrs. Grant e me concedeu uma bolsa, mas não aceitei, era muito confuso níveis diferentes na mesma sala.
Voltei para a casa dos brasileiros, que me deixaram dormir no sofá da sala. Mas isso não durou muito. Vi no Student Center da universidade, um sujeito chamado Steve (também) procurando roommate, ou companheiro de quarto, nesse caso seria homemate, companheiro de casa. Era uma casa antiga e grande, como dezenas em volta do campus onde moravam milhares de estudantes. Nela já morava o Steve, mais um venezuelano e um turco. Havia, depois da cozinha, um quarto bem pequeno nos fundos. Assim me mudei para o número 1043 da Hampton St. NW. Era apenas duas quadras da casa do Jefferson e do Ronaldo.
ELS - conclui o nível 7 no total de 9
Vizinho à casa dos brasileiros tinha a Mrs. Louise, 80 anos, que morava só. Tornei-me amigo dela, e sempre que possível ia conversar com ela. Um bolo estava sempre me esperando. Chegava sempre dizendo: vim praticar o inglês com a senhora. No que ela respondia: “Seja bem vindo.”
Lembro me que lhe perguntei se tinha visto uma Atlanta diferente no início do século. Ela me disse que tinha visto as ruas sem asfaltos e as carruagens circulando.
Aproveitei para trabalhar mais horas como ajudante de mudanças, assistir mais TV e conversar com a Mrs. Louise. Além do que comprei livros e passei a estudar sozinho. Na Ga Tech, se  você levasse fitas cassetes virgens, eles gravavam aulas para você estudar em casa. Mrs. Grant gravou algumas para nós. Eu tinha várias delas; estava me preparando para isso, para estudar sozinho em casa. Funcionou. No ESL fui para o nível 7 do total de 9.  E em 5 de setembro de  1987 - exato um ano depois de ter acabado de estudar doze semanas na Georgia Tech - depois do casamento do meu irmão Brígido Jr. embarquei para Louisiana, para estudar inglês por mais doze semanas no Lousiana State University, na cidade Baton Rouge, perto de Nova Orleans. Fui pra lá porque eram sete horas-aulas por dia. Fui colocado no nível cinco do total de seis.

A Volta
Na última quinta-feira de novembro de 1986, dia de Ação de Graças, ou Thanksgiving, estava na casa de uma 
Magic Kingdom. 04.12.1986
amiga, junto com a Nilce Mendonça. Liguei para Manaus e falei com a minha irmã Ana. Queria saber de notícias do papai. Em fevereiro,havia sido operado por causa de um câncer no estômago. Quando perguntei por ele, ela me disse: “O papai está em São Paulo. Ele está morrendo.” Uma semana depois, dia 5 de dezembro voltei para o Brasil. Ele morreu dia 27 de março de 1987.

Fiz o caminho de volta. Mas com uma parada. Fui de Atlanta para Orlando de ônibus. Passei um dia dentro do Magic Kingdom, da Disney World, à noite viajei para Miami;  no dia seguinte embarquei de volta para o Brasil. Já não era mais o  mesmo.
Deus seja louvado !

Cláudio Nogueira

Nenhum comentário:

Postar um comentário